Então, boas tacadas XXVIII

Fernando Nunes PedroO Jamor e a ...OTA

O que é um campo de golfe público? O que é um campo de golfe privado? O que é um campo de golfe semi-privado? Quais as diferenças entres eles? E quais as semelhanças? 

Comecemos pelas semelhanças. É crível que qualquer destes exemplos se rege por uma regra financeira básica. As receitas têm que pagar os custos de exploração e a amortização dos capitais investidos. Isto é, trata-se de uma empresa que deve dar lucros aos seus accionistas. E quem são os accionistas? Aqui é que está o busílis! Já lá chegaremos. 

Atentemos agora nas diferenças. Um campo de golfe privado é um espaço privado, pertença dos associados da empresa/clube, proprietária/arrendatária dos terrenos e das instalações às quais só têm acesso os seus membros. E que só marginalmente aceita forasteiros. Normalmente a convite de membros. Em Portugal não creio que haja algum exemplo. 

Um campo de golfe semi-privado é um campo privado que dá uma maior abertura ao jogo por parte de jogadores forasteiros, para obter receitas adicionais que de outra forma estariam cometidas aos seus membros. O clube e os seus associados podem não ser os proprietários dos terrenos e instalações mas têm direitos de jogo tão importantes que funcionam como campos semi-privados. 

Exemplos de campos semi-privados entre nós: o Oporto Golf Club, Miramar, Estela o Lisbon Sports Club, Estoril e a Quinta do Peru. 

Um campo de golfe público é um espaço aberto a todos os eventuais utentes que joguem golfe e que possam evidenciar o seu handicap. (às vezes.) Ou mesmo aos que não jogam golfe porque podem utilizar por exemplo as áreas de restauração. É um espaço aberto ao público. 

Portanto, campos públicos, em Portugal, serão todos os outros que não foram mencionados o que totaliza 72 campos.  

Há uma ideia errónea em algumas mentes no que concerne este conceito de campo público. Pretendem que, sendo esses campos propriedade de empresas privadas, perdem o seu estatuto público porque se dirigem a um universo de pessoas privadas. Ora o que confere a um espaço a sua denominação de público é o facto de a sua utilização ser feita pelo público em geral. O mesmo que um cinema: pertencem a entidades privadas mas são utilizados pelo público.  

Mas campos de golfe públicos, privados ou semi-privados, são na sua essência conceitos diferenciados, muitas vezes muito subtis, mas com uma característica comum: têm accionistas. 

Os accionistas de campos públicos podem ser entidades privadas – empresas imobiliárias, resorts turísticos, hotéis, empresas ad-hoc – ou entidades estatais ou municipais ou mistas destas duas espécies. 

O que é que diferencia estes accionistas?  

Os de empresas privadas investem o seu dinheiro – privado – em instalações de golfe utilizadas pelo público em geral.  Para tal precisam de promover o seu produto. E vendê-lo a nacionais e estrangeiros.  

Os de empresas estatais/municipais - os accionistas - somos nós todos. É aqui que está o busílis referido no início deste artigo. O busílis não advém exclusivamente do conceito de utilizador-pagador. Quem não jogar golfe está, de certo modo, a pagar para os que querem usufruir desse espaço. Os maiores problemas são de outra natureza. Têm a ver com a formação do preço de utilização e com a concorrência com os campos públicos de propriedade privada.  

Na formação de preço de um campo estatal/municipal – que implica maior ou menor concorrência com os campos públicos – deveria estar implícito um conceito de promoção do golfe a nível nacional. Se assim fosse então o custo de utilização do campo estatal/municipal deveria ser próximo do zero. Porquê? Porque a formação não foi efectivamente feita. Porque há tão poucos jogadores, que o custo zero seria o ideal. Mas obviamente esse preço tem que pagar os seus custos. É uma regra saudável da economia. Temos portanto que admitir que o custo de green-fee de um campo estatal/municipal tem que pagar os custos de exploração, de manutenção e a amortização dos capitais investidos. Pode-se admitir, mas também temos que aceitar que o Estado tem a missão de desenvolver o bem-estar das populações e, nesse contexto, é desejável que investimentos desse tipo sejam, quando coerentes com o ambiente social, activos sociais fundamentais num estado moderno e democrático e saiam da lógica das regras economicistas. 

E quanto é que isso representa? Que tipo de serviços serão disponíveis nesses campos? Serão modestos? A todos os níveis? Os relvados não serão regados e tratados convenientemente? As máquinas de corte e de manutenção serão mantidas a um mínimo? E quanto custam, apesar de um certo grau de minimalismo? E que grau, no caso do Jamor? 

Os custos de manutenção e de exploração de um campo de golfe de 18 buracos,- que  no caso do Jamor,  não deve ser tão minimalista assim visto que o seu desenho foi encomendado a um americano Arthur Hills que não é dos mais baratos do mercado – devem situar-se entre €60 mil/€80 mil Euros mensais. Inclui-se pessoal e admite-se que a loja e o restaurante sejam concessionados portanto sem custos de pessoal. 

Segundo foi noticiado na imprensa com origem em fontes oficiais os custos de construção e de instalação – não se sabe se com equipamento ( máquinas, casa de manutenção, melhoria e aumento das instalações do clubhouse, etc.)-, rondam os € 6,0 milhões de Euros. Mas para o caso pouco interessa e admitamos que o investimento é a fundo perdido. Resta portanto o custo de exploração à volta dos tais € 60 mil Euros.

Segundo fonte da FPG o preço do green-fee deve situar-se entre os €12 e os € 15 Euros, presumindo-se que seja para jogar 18 buracos. Entretanto e se se tratar de um “centro de formação” temos que admitir que, em média, uma vez por semana, haja um núcleo de alunos de escolas que vão treinar ao campo do Jamor. Se essa função tivesse êxito poder-se-ia dizer que durante 52 dias, uma vez  em cada semana do ano, o campo não teria receitas. Agora juntemos os dias em que as condições climatéricas não permitirão a sua utilização e não esqueçamos que não é só nos dias de chuva que não se pode jogar , visto que qualquer relvado pode atingir a capacidade de campo e ficar empapado por alguns dias mais. No caso vertente é natural admitir que o campo não será jogável em 30 dias o que adicionados aos dias de treino perfaz 82 dias. Se descontarmos alguns dias mais, de feriados especiais como o Natal, Ano Novo, chegaremos facilmente aos 90 dias sem utilização. Restam portanto 275 dias de jogo.

 

Fixemo-nos então nesses 275 dias de receitas e nos €60 mil Euros de custos mensais o que perfaz €720 mil anuais. Atentemos ainda no preço de green-fee mencionado de €15,00. Se dividirmos o custo anual pelo preço do green-fee e depois pelo número de dias disponíveis o resultado é:  (€720.000/€15,00/275 dias =174,4 jogadores por dia), isto é, seriam necessárias 175 voltas de golfe de 18 buracos por dia apenas para conseguir pagar os custos. Mas podemos ainda aumentar o preço do green-fee para, por exemplo,  €25,00 Euros. É muito caro? Para um campo estatal é-o por certo,  porque um campo público cobra sensivelmente esse preço em situações de jogadores portugueses a jogarem em campo alheio em dias normais. Façamos de novo as contas:  (€720.000/€25,00/275 dias = 104,7 jogadores por dia). Portanto, o campo de golfe estatal do Jamor vai precisar de 104 jogadores por dia para se auto sustentar, cobrando €25,00 por volta. É uma tarefa ciclópica, diríamos mesmo que impossível. Os números médios para um campo com grande sucesso nunca serão superiores a 80 pessoas por dia em média. O que fazendo as contas de outra maneira significa que : ( 80 voltas x €15,00 x 275 dias = €330.000 Euros de receita anual) e uma margem bruta negativa de €390.000,00 Euros por ano.  

Haveria ainda a hipótese de se venderem green-fees a jogadores estrangeiros a um preço muito mais elevado na presunção de que o Jamor teria suficientes atractivos para tal. Seria cair noutro logro. A Grande Lisboa tem cerca de 8% dos jogadores do Algarve e o número de campos de golfe é quase semelhante aos que ali existem. Portanto um universo de jogadores estrangeiros a dividir por 26 campos actuais mais os que hão-de vir. De resto, se esse é um dos objectivos, seria entrar em concorrência desleal com os campos públicos que também dependem do fluxo de jogadores estrangeiros. 

Estes são os números, que merecem alguma reflexão. 

Agora vamos aos aspectos logísticos. Será que um campo de golfe de 18 buracos “cabe” naquela área que lhe está destinada? O que é que vai ser prejudicado ? A superfície destinada ao driving-range, como é óbvio! Aquilo para que foi efectivamente criado o Centro de treino do Jamor - para aprender a bater na bola, para ter lições de golfe e para ter um primeiro contacto com o desporto – vai ter que ser reduzido, quando na realidade deveria ser aumentado. E vai ser diminuído na sua área para que o campo “caiba” lá.  

Infelizmente também essa função não tem sido espectacular. Um cesto de bolas custa €2,75 Euros. Se um jogador treinar 2 cestos de bolas, 3 vezes por semana durante por exemplo 40 semanas gasta sensivelmente €660,00 Euros o que é cerca de 66% da quota de muitos campos públicos da área da grande Lisboa onde pode jogar, se quiser, todos os dias do ano. Convenhamos que os preços dos cestos de bolas são proibitivos. E porquê? Porque a Federação vê o Jamor como uma fonte de receita em vez de uma fonte de jogadores. E quer a todo o custo um campo de golfe de 18 buracos porque quer receitas sem atentar nos custos das mesmas.  

Então o que deveria ser o Jamor?  

Um Centro de treino, com uma zona de driving-range de maiores dimensões e com uma certa modulação do terreno para o tornar mais natural, mais parecido com fairways de um campo de golfe,  com três a quatro áreas de bunkers em lugares diferentes, com uma área de chipping e com um putting-green de grandes dimensões. Um parque automóvel mais próprio do século em que vivemos, uma loja ampla, vestiários mais acolhedores, restaurante com maior dimensão e melhor decoração mesmo que simples, salas de reunião para os professores e visualização das imagens de vídeo dos alunos. Á volta destas instalações de treino, poder-se-iam então desenhar alguns buracos – 4, 5, 6, - pouco importa, que fossem o primeiro contacto dos jogadores com uma experiência de campo. Toda a zona desta espectacular zona desportiva do Jamor, seria extremamente beneficiada em termos paisagísticos e disponibilizaria para outras modalidades, muitas áreas de terreno que por certo seriam bem aproveitadas.  

Obviamente que tudo isto se faria com muito menos dispêndio de dinheiros públicos, seria muito mais fácil de gerir e teria muito melhores resultados para o golfe.  

A indústria do golfe em Portugal tem-se desenvolvido como suporte e, ao mesmo tempo, como instrumento de vendas de empresas de turismo, mas reconhece que a gestão dos seus espaços não pode estar exclusivamente baseada nos fluxos turísticos. Há necessidade de se formarem jogadores portugueses com toda a urgência. Podem ser feitos 10 driving-ranges com as características das do Jamor actual, espalhadas pelo país. Junto de universidades, como Aveiro, Évora, Coimbra, etc.  Coisas simples, com tacos de aluguer gratuito e bolas a um preço simbólico. Com € 6 milhões de Euros far-se-ia o Jamor ideal mais esses 10 driving-ranges. Isso sim, seria o princípio da democratização e popularização do golfe em Portugal. E, finalmente quando tivermos tantos jogadores como a Espanha tem de jogadoras do sexo feminino ( mais de 93 mil ), então poder-se-ia pensar em construir um campo de golfe da Federação. Provavelmente nem vai necessitar do apoio do Estado. 

O que é que o Jamor tem a ver com a OTA? Só pode ser teimosia. Antes de se saber o que vai ser a evolução do objecto dos investimentos, escolhe-se um lugar, discute-se 15 anos e ninguém é capaz de parar e pensar que, se não se fez, é porque, eventualmente, não se deve fazer. La Palisse.

Então, boas tacadas
Fernando Nunes Pedro
fnp-golfe@netcabo.pt

30 de Abril 2007

 

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Revised: 30-04-2007 .